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/ Colonialismo

Liberdade alegada: quando devemos calar?

Numa entrevista que se encontra em cartaz na Globo News, conduzida pelo repórter Roberto D’Ávila,  o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Benedito Barbosa Gomes, além de borrifar lama na reputação de pares togados, com quem divide sombra e água fresca, aproveita a ocasião para noticiar que está processando um jornalista brasileiro por injúria e racismo.

Dúbio, Barbosa não dá nome aos bois. Mas alfineta ministros do Supremo Tribunal Federal que teriam a reprovável mania de esconder ilicitudes debaixo de eloquentes tapetes retóricos. De qualquer sorte, o  fato é que um enorme pedaço da reputação do colegiado supremo foi lançado no pântano da imoralidade, sob os auspícios da liberdade de expressão, que, segundo Sua Excelência, também lhe pertence. Teríamos, então, segundo as graves e judiciosas insinuações, uma Suprema Corte pusilânime e tendenciosa.

Por ironia, não foi sob o outro pretexto, senão também com base no princípio da liberdade de expressão, que o blogueiro Ricardo Noblat achou-se no direito de associar a nomeação de Joaquim Barbosa para o cargo de ministro do Supremo à cor de sua pele, e não ao respectivo currículo profissional. Nesse caso, porém, Joaquim resolveu converter a  tese noblatiana numa afirmação injuriosa e racista, com estatura de caso de polícia.

No entanto, sem qualquer desdouro à honrosa biografia do ministro Joaquim Barbosa, que por sinal se declara fascinado por Napoleão Bonaparte – enquanto estadista, e também me apoiando na liberdade expressão assegurada pela Carta da Política da República brasileira, ouso afirmar que Sua Excelência, ao levantar graves suspeitas sobre o comportamento de pares seus e processar um blogueiro por conta de uma casual e sincera análise jornalística, incorre em dois manifestos equívocos.

A primeira derrapagem do presidente do Supremo Tribunal é de ordem filosófica. Joaquim aprendeu na Sorbone que a verdade tem relação com alguma realidade apriorística e independente do sujeito que a conhece. Por isso, Sua Excelência se apresenta ao mundo como “companheiro inseparável da verdade”. A chamada verdade objetiva. Na realidade, esse tipo de argumento encerra um velho truque metafísico, muito usado pelos juristas na vã tentativa de esconder preferências, preconceitos e desejos inconfessáveis nas dobras da argumentação judicial.

Em a “Suprema estupidez”, publicada neste espaço virtual, incrustado na caatinga da Bahia, antecipei alguns argumentos que me autorizam a afirmar, com o epistemólogo chileno Humberto Maturana Romensín, que a tão decantada realidade objetiva dos modernos não passa de borbulhas epistêmicas que flutuam no nada. É o que de fato vislumbra o pensamento pós-colonialista. Contudo, para emprestar mais um pouco de realismo ao tema, posso invocar também  a obra “Le Maitre Ignorant”, cuja autoria se deve a um professor da Sorbone, o fislósofo Jacques Rancière, onde, aliás, Barbosa descobriu as virtudes de Bonaparte.

O fato é que nossa estupidez se expande geometricamente quando imaginamos o direito como algo dado ou como algo construído, porque esse tipo de visão aparece em descompasso com a nova ciência, consoante proponho em meu inédito “Perspectiva pós-colonialista sobre a intenção criminosa“. No fundo, a norma não é dada pronta pelo legislador, tampouco é construída pelo intérprete. Aqui, no Sertão da Bahia, sustentamos que toda norma é “constituída” pelo observador/aplicador judicial, como bem o revela o julgamento da Ação Penal 470, o célebre Mensalão.

Assim, partindo-se desse pressuposto, a existência de uma verdade melhor ou superior a outra não encerra senão ingênuo truque retórico, particularmente em um Estado Democrático de Direito como o nosso, em que não há espaço para ranços metafísicos. Forçoso é admitir-se, então, que a sagrada verdade de Barbosa é tão legítima e sincera quanto à de seu colega Ricardo Lewandowski ou vice-versa, como também às de outros colegas seus de tribunal. Sinceramente!? A verdade judicial é a da maioria ou de quem decide por último. Com a palavra o ministro Celso de Mello.

A entrevista também mostra que Joaquim Barbosa é bastante seletivo. Do mesmo modo que, de Napoleão, só aproveita o “estadista, não porém o ditador; no texto publicado por Noblat, à Sua Excelência só consulta as palavras supostamente racistas. Ocorre que, do “comentário” produzido por Noblat, sem recurso a qualquer ginástica mental, é   possível fazer uma leitura radicalmente diferente, desprovida de toda e qualquer conotação racista vislumbrada pelo supremo magistrado.

Na verdade, o blogueiro tece seu comentário apoiado em um fato. Mas que fato? A declaração do homem que alçou Joaquim Borbosa à condição de magistrado. Noblat a transcreve entre aspas: “Não vá sair por aí dizendo [Barbosa] que deve sua promoção aos seus vastos conhecimentos. Você deve à sua cor”. Foi exatamente a essa declaração que o jornalista associou a nomeação de Joaquim Barbosa. Longe de ter feito, portanto, qualquer apologia racista ou injuriosa contra o ministro, o blogueiro se escorou cuidadosamente num fato público e notório.

Pelo contrário, antes de redigir o post “Joaquim Barbosa: Fora do eixo, Noblat tivera a sensata cautela de consultar medalhões do mundo jurídico para melhor avaliar o know-how jurídico de Barbosa. Não obstante, a resposta que lhe deram foi a de que ao magistrado Barbosa faltaria “grande conhecimento de assuntos de direito”. Por tudo isso, concluiu Noblat que, dentre os “juristas negros” brasileiros sondados pelo mensageiro de Lula, o que mais se ajustou ao perfil da Suprema Corte foi o do então professor da Universidade de Columbia.

Com esse fato, tem estreita relação as várias tentativas do então presidente Lula de levar o já nomeado ministro à África,  segundo o próprio Joaquim Barbosa, com o propósito de fazer marketing político. Nesse sentido, então, para Lula, a cor de Barbosa sempre foi muito mais relevante que seu notável currículo. Todavia, se para dizer isso, faz-se necessário alegar o direito fundamental à liberdade de expressão, talvez seja menos traumático que nos indiquem o exato momento de calar. Mesmo à moda de Napoleão.

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