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/ Cidadania

Ministra Eliana Calmon agradece homenagem da advocacia pombalense

Agradecimento à distinção vem timbrado por extraordinária satisfação pessoal da magistrada

Foto: Arte: Blog do Gomes
No destaque, a ministra Eliana Calmon e o advogado-geral Gildson Gomes

A atuação da ministra Eliana Calmon,  à frente da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), revelou para o Brasil um raro exemplar da magistratura nacional. Uma servidora pública combativa, valente, e implacável com a desídia e a corrupção nos quadros do Poder Judiciário brasileiro.  Chamou a atenção da nação quando a magistrada baiana denunciou a existência de “bandidos de toga” na nossa Magistratura. Fato publicado neste espaço virtual em: Para juíza baiana, há bandidos vestindo toga.  Enfim, a vida de mulher pública da ministra Eliana Calmon, hoje, é referência do modelo de juiz que a sociedade enaltece por todos os cantos deste País.

Como se vê, o perfil público da juíza Eliana Calmon, por si, torna-a  credora das mais sinceras e efusivas homenagens. Decerto, não seria uma singela dedicatória feita por um advogado sertanejo que iria enriquecer seu invejável currículo. Porém, a ministra Eliana, dos píncaros de humildade, surpreende generosamente  a advocacia de Ribeira do Pombal anotando, de próprio punho, que a monografia “Perspectiva pós-colonialista sobre a intenção criminosa”, cujo estudo lhe é dedicado pelo advogado pombalense Gildson Gomes, foi uma das mais expressivas homenagens que recebera.

“Saiba, colega, que foi uma das mais expressivas homenagens que recebi, principalmente quando partiu de um advogado jovem, interessado em ciência e antenado com a realidade.”(Leia carta na íntegra)

Por tudo isso, o Blog do Gomes resolveu compartilhar com a sociedade de Ribeira do Pombal e a comunidade jurídica esse marcante acontecimento, bem colher junto ao autor da sobredita homenagem, o dr. Gomes, as razões que o levou a prestá-la.

BG – Dr. Gomes, como o senhor recebeu a carta da ministra Eliana Calmon, tecendo esse histórico agradecimento?

Gomes – Confesso que quando remeti um exemplar do meu estudo à homenageada, que um dia sonho conhecê-la pessoalmente,  jamais esperava uma reação tão generosa, porque essa não é uma atitude comum às altas  autoridades do nosso País. Por conta disso, me contentaria apenas saber que a ministra teria recebido o trabalho acadêmico, sem ficar constrangida com a alusão a seu nome na dedicatória, dada a altíssima probabilidade de ela não ter gostado do que, eventualmente, lera.

No entanto, a ministra Eliana me surpreendeu com seus generosos e enfáticos agradecimentos. Confesso que já a admirava bastante, mas, depois dessa clara manifestação de humildade, a dra. Eliana Calmon, hoje, me encanta. Devo acrescentar, por oportuno, que quando resolvi homenageá-la fi-lo pensando em alguém que poderia ser a referência de um esforço intelectual que se produziu ao longo de duas décadas de reflexão jurídica.

Com efeito, como muito bem assinala a ministra, a inédita “Perspectiva pós-colonialista sobre a intenção criminosa” trata-se de estudo jurídico “antenando com a realidade”. Quando decidi escrevê-lo, não pensei em formular qualquer teoria. Na verdade, o que me estimulou a produzi-lo foi as necessidades práticas que afligem a liberdade humana. Militando no tribunal de justiça baiano me dei conta de que as teorias jurídicas sobre o dolo penal são insuficientes para explicar o fenômeno da intencionalidade humana, como destaco no resumo da obra que ora ofereço ao internauta deste Blog:

RESUMO: O presente estudo foi concebido com o propósito de analisar a intencionalidade humana como fator condicionante de desvios de condutas, no domínio jurídico-penal. Sob o prisma filosófico, o potencial analítico da intenção criminosa parece ter encontrado sua foz na metafísica da linguagem denotativa, depois de ter rompido os velhos diques da filosofia da consciência. Todavia o referencial teórico eleito por este estudo é outro. Esta análise renunciará os importantes aportes teóricos brindados pelas modernas ontologias transcendentes, para inaugurar o pensamento jurídico pós-colonialista, cuja fundação situa-se no terreno da epistemologia unitária, esboçada pela Escola Matríztica de Santiago do Chile, capitaneada pelo biólogo Humberto Maturana Romesín e pela cofundadora Ximena Dávila. À reboque da proposição explicativa do dolo penal, será levada a cabo uma profunda revisão nos fundamentos da juridicidade continental, em confronto com a matriz biológico-cultural da existência humana, a qual culminará com a formulação  de uma nova e original proposta explicativa para o Direito, aqui batizada de Direito Matríztico.

BG: Qual chave para percebermos que uma ciência encontra-se defasada com o tempo em que vivemos?

Gomes: A resposta é simples. Toda ciência que não responde às contingências da vida, resta insuficiente, porque conhecer é viver e viver é conhecer. Não existe conhecimento fora da vida, tampouco vida que não seja conhecimento, também.

Pois bem, o próprio estado da arte aponta para essa circunstância. O conhecimento, de uns trinta anos para cá, deixou de ser trivial, na medida em que apareceram novas maneiras de pensar a realidade. Hoje, não posso afirmar nada, sem antes definir o ponto de partida do meu raciocínio, porque a minha resposta é determinada por uma pergunta, que pode ser formulada em diferentes domínios de realidade. Sustento que, atualmente, existe duas formas fundamentais de pensamento distintas, uma que chamo de “colonialista”, de caráter transcendental, e outra de pós-colonialista, de natureza constitutiva. Na primeira forma, o observador imagina que a realidade é algo dado pelo mundo ou construído com base em dados do mundo ou universo, independentemente de sua atuação. Enquanto a segunda maneira de pensamento nos indica que o que chamamos de realidade nada mais é do que uma proposição dentro de uma explicação; e nesse sentido o observador é quem constitui a realidade, a sua vida, os seus mundos ou multiversos.

Não faz mais de trinta anos, vivíamos imersos  numa rede cultural supostamente única, universal, basicamente estruturada desde coerências operacionais do patriarcalismo europeu, que caracteriza a cultura ocidental. Então, toda resposta à certa questão se escorava nos fundamentos dessa cultura patriarcal/matriarcal, dominante no Ocidente. Hoje, sem embargo, a partir do instante em que o biólogo chileno Humberto Maturana Romesín lançou o seminal ensaio Biology of Cognition, fundando a biologia do conhecimento, em cujo domínio o “ato de conhecer” é configurado como um fenômeno biológico, as categorias filosóficas transcendentais deixaram de fazer sentido, a não ser no âmbito da própria cultura patriarcal colonialista.  Desse modo, posso afirmar, tranquilamente, que a ciência moderna, cuja paternidade é atribuída a Galileu, e que se consolidou com o advento do positivismo científico, do séc. XIX,   encontra-se defasada, visto que não responde às perguntas formuladas no domínio da metafísica pós-colonialista, avesso às certezas, na proporção em que considera legítima toda e qualquer reflexão, ainda que desagrade a quem a escuta. Esse tipo de atitude epistemológica, é, de fato, impraticável, segundo as coerências do modo de vida colonialista, que marca a cultura ocidental. Por essa razão é que pedimos licença para pensarmos diferente.

BG – A carta indica que o gesto de agradecimento da ministra Eliana Calmon foi dirigido particularmente ao seu labor, por que o senhor resolveu compartilhá-lo com a classe dos advogados?

Gomes – Caro repórter, como podemos ver, a generosa missiva da ministra Eliana põe ênfase num ponto especial, imperceptível a uma leitura desatenta. Note que ela valoriza o fato de a dedicatória ter sido formulada por um advogado, e com isso a célebre magistrada reconhece não somente o meu esforço acadêmico, em particular, mas a contribuição da advocacia para o progresso da ciência jurídica. No que vai muito bem, entendo eu. Realmente, a  juíza Calmon entende, e como ela também eu, que não existe obra intelectual gestada no vácuo ou na solidão, porque toda ação-reflexão se dá no plano relacional, na linguagem, cuja realização se dá na convivência, com pelo menos dois interlocutores, e não na vivência solitária. Tudo isso abordo de forma minuciosa na citada monografia. Nesse momento, deixar de reconhecer as decisivas contribuições de meus colegas de classe, que de algum modo iluminam o meu pensar, quer na convergência, quer na divergência, seria mesmo imperdoável. Mas não somente a eles devo agradecer. Reconheço a formidável contribuição do jurista paranaense dr. Paulo Busato, meu mestre na Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires (UBA), que me despertou para esse intrincado problema do dolo penal, nas suas belíssimas aulas no curso de doutorado. Devo admitir, por oportuno, que o projeto da “Perspectiva pós-colonialista sobre a intenção criminosa”  só foi possível graças à liberdade de espírito que move a educação superior argentina, capitaneada por um defensor incondicional dos direitos humanos, o Prof. Dr. Ricardo D. Rabinovich-Berkman,  consagrado jurista diretor do departamento de ciências sociais da UBA.

 

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