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/ Colonialismo

Ministra ELIANA CALMON: É preciso que os juízes esqueçam ‘os seus mundinhos’.

Segundo Calmon, a complexidade jurídica exige dos juízes atualização de conceitos como condição de expansão de horizontes

Foto: Blog do Gomes
Juíza Eliana Calmon ministra aula magna na Unijorge, campus Paralela

SALVADOR – Em missão oficial na Bahia, a ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), abriu espaço na sua agenda para proferir aula magna na Unijorge (Centro Universitário Jorge Amado), em Salvador, nessa sexta-feira (06/09), às 18h30. Ainda que iniciado com atraso superior a uma hora, o vibrante discurso da magistrada baiana, que também é  diretora-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), além de ter exercido o cargo de Corregedora-Geral de Justiça, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), empolgou a atenta plateia presente no auditório Zélia Gattai.

Eliana falou sobre “Ética e Gestão”, pegando gancho na recente declaração do senador Edson ‘Lobinho’ (PMDB/MA), que eliminou a palavra “ética” da proposta de alteração do regimento interno do Senado brasileiro, a pretexto de que se trata de um conceito relativo, muito fluído, subjetivo e abstrato, podendo significar muitas coisas, dependendo de quem o invoca. O que muito a preocupa, na medida em que se perde a noção de limite. “Quais são os limites do tolerável?”, ponderou a ministra, fazendo referência à noção proposta por Dom Hélder Câmara, citado em um artigo pelo senador Pedro Simon, para o qual ética expressaria “vergonha na cara”.

A partir desse termo transversal, Calmon passou a confrontar dados e fatos antiéticos, sociológicos, jurídicos, econômicos e políticos, tomando como referências práticas os governos Collor e Lula, realçando, por incrível que pareça, pontos positivos do governo Collor, tais como a abertura do mercado e a edição da lei de improbidade administrativa, que representa o pontapé legal no combate  à corrupção no Brasil. A gestão Lula, por seu turno, aparece no relato da juíza como aquela que “abandonou a ética”,  enquanto pilar da construção de uma governança que se imaginava democrática e saudável.

A juíza Eliana Calmon teceu duras críticas à opacidade do Poder Judiciário, insinuando que suas ações junto ao CNJ foram decisivas para a abertura da “caixa-preta” da justiça de São Paulo, particularmente, em cujo estado da federação as resistências contra a transparência administrativa foram estranhamente desproporcionais com a finalidade judicante.  Pontou que o Código de Processo Penal brasileiro se trata de uma “lei avacalhada”, sobretudo pelas teses de advogados paulistas, aceitas acriticamente pelos tribunais; que os juízes precisam deixar seus “mundinhos” para se integrarem em rede, de modo a reverem velhos conceitos, ampliando seus respectivos horizontes. Aliás, esse é o motivo que a traz à Boa Terra, nesta ocasião, por conta da Meta 18 do CNJ, que estipula o julgamento de as ações de improbidade administrativas até o final de 2013.

Decerto, a ministra Calmon se trata de uma pessoa, dentre os 10% de todas do Planeta, que consegue permanecer imune à prática do mal, segundo a teoria do psicólogo americano Philip Zimbardo, ainda que admita abertamente, segura de que não será mal interpretada, ter provado de “conforto”, patrocinado por “colarinhos brancos, que usam gravatas com nós robustos”. “Que hotéis maravilhosos, que conforto!”, lembra a magistrada, com certos ares de saudosismo. Mas ressalva que tais “gentilezas” foram minguando na mesma razão em que os boas-praças conheciam o peso da sua caneta.

Por ser tão natural e espontânea, num mundo calcado na hipocrisia, Eliana Calmon surpreende e frustra, ao mesmo tempo. Surpreende os covardes, que preferem o conforto ao sacrifício, e frustra os espiões de plantão, quando demonstra que não esconde o que tem e tampouco o que pensa. Certamente, para Barack Obama, a juíza Eliana seria perda de tempo: um péssimo alvo para seus arapongas, uma vez que não lhe renderia segredo algum.

Como todo bom idealista, que flui no domínio colonialista, a realista Eliana Calmon se autoproclama otimista, clama e atua por mudanças, sem se dar conta, porém, de que toda mudança implica deslocamento. Como sustenta o pensamento pós-colonialista, não é racional falarmos de mudança, permanecendo no mesmo endereço. Quem deseja mudar assume o ônus de apontar o novo endereço, pois, para haver efetiva mudança, a transição tem que se dar a partir do domínio antigo (no qual convivemos), configurado de certa forma, para um novo domínio (no qual viveremos), configurado com coerências operacionais diferentes.

Note-se que a conjugação verbal difere (presente e futuro). E nisso reside o equívoco de todo colonialista, que tenta fazer presente o ausente pela via de uma ordem simbólica. Sobre esse assunto, remetemos o internauta à apresentação do nosso ensaio “Pensamento pós-colonialista: uma forma humanista de pensar a realidade”, publicado neste espaço virtual, em cujo texto veremos que mudança não se reduz a um signo, porque se trata de uma coordenação de ação que supõe deslocamento, quer seja físico, quer seja psíquico.

Se permanecemos no mesmo endereço, ou melhor, se falamos que mudamos, mas conservamos as coerências operacionais do domínio cultural em que convivemos, é claro que isso não implica mudança alguma. Mudança de cultura demanda mudança de configuração de domínio cultural; do contrário, os riscos e esforços para acordar o gigante serão infrutíferos, ainda que louváveis. Mera mudança na cultura (patriarcal egoísta em que nos encontramos imersos), como  propõe a lúcida professora Eliana Calmon, não nos parece suficiente para a promoção e realização da chamada “gestão ética”, porque mister se faz uma mudança de cultura: da cultura colonialista (velha) para a cultura pós-colonialista (nova).

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