O rosário de crimes desvendado reclama a imediata prisão do ex-prefeito de Ribeira do Pombal, diz Ministério Público.
Edvaldo Cardoso Calasans, vulgo Dadá, se escondeu, fugiu, engabelou muita gente, mas não conseguiu escapar da Justiça. Esgotados todos os meios para localizá-lo, o Tribunal de Justiça da Bahia não perdeu tempo: efetivou-lhe a notificação por edital e nomeou defensor público para defendê-lo. No despacho de recebimento da denúncia, a meritíssima juíza de direito da comarca de Ribeira do Pombal, Liz Rezende de Andrade, anota que, compulsando os autos, observa que todos os réus foram regularmente notificados para apresentação de resposta, em 15 dias; cinco deles pessoalmente, e Edvaldo Calsans, por edital, e à exceção do réu Álvaro Augusto, os acusados deixaram de apresentar defesa no prazo legal. Todavia as defesas apresentadas pela defensoria pública e pelo réu Álvaro Augusto não foram aptas a ensejar o trancamento do processo, já que presentes se encontram os requisitos para dar início à ação penal.
Dadá foi incialmente acionado pelo Ministério Público da Bahia perante o Tribunal de Justiça porque tinha foro priveligiado, mas com o término do mandato de prefeito o processo desceu para a Vara Crime de Ribeira do Pombal, onde recebeu o nº 864507-8/2005. Na denúncia, o MP pede a prisão preventiva de Dadá e o seu afastamento do cargo. Como Dadá não é mais prefeito o pedido de afastamento restou prejudicado, remanescendo, porém, o pedido de prisão, cuja decretação está, agora, a cargo da juíza Liz Rezende, que solicitou ao promotor de justiça local, Ricardo Menezes, “para que diga se o ratifica”.
Os pedidos de afastamento e de prisão preventiva de Dadá foram formulados pela Procuradora-Geral de Justiça Adjunta, Sara Mandra Moraes Rusciolelli Souza, e pelo Promotor de Justiça Auxiliar, Valmiro Santos Macedo, na Ação Penal Originária nº 13729-5/2004, junto ao Tribunal de Justiça da Bahia pelo “cometimento de inúmeras irregularidades na gestão administrativa do município, mormente nos exercícios de 2001 e 2002, ensejando desvios de recursos públicos, fraudes e a violação de princípios que informam os procedimentos licitatórios, negativa de execução às leis federal e municipal, realização de despesas sem autorização legal e a emissão de cheques sem provisão de fundos, dentre outras mazelas que reclamam, de per si, o devido enquadramento criminal dos denunciados”.
Dadaduto
A minuciosa peça de acusação informa que Edvaldo Cardoso Calasans pagou com dinheiro público, somente no exercício de 2001, pela aquisição de gasolina e óleo diesel, cerca de R$ 368.869,70. Tendo o Posto Márcio, pertencente à família do ex-prefeito de Caldas de Cipó, Wilson Brito, abocanhado 70% da referida quantia. Detalhe: nos processos de licitação o Posto Márcio disputou o certame com o Posto Marcelo e o Posto Itapicuru, também pertencentes à família do burgomestre da Comuna banhada pelas relaxantes águas termais.
Na ocasião, o combustível adquirido por Calasans seria suficiente para que todos os veículos da frota do Município de Ribeira do Pombal, composta por 14 automóveis, 2 motocicletas e nove autos e máquinas movidos a diesel, rodasse, em média, 580 km/dia sem parar para reabastecimento. O que equivale a percorrer o trajeto de Ribeira do Pombal a Salvador, ida e volta, todos os dias, com folga para ainda dar uns bordejos na capital baiana. Sustenta ainda o MP que o alcaide fraudou os certames licitatórios para privilegiar o Posto Márcio, na medida em que, ilegalmente, fracionou os valores das compras.
Contratações ilegais
A narrativa dos Procuradores realmente é alarmante. Em um único semestre, para realização de 4 festas, o prefeito destinou em favor de uma única empresa de promoções de eventos, a Canabrava Produções Artísticas Ltda, nada menos que R$ 791.517,00 para locação de palcos, sonorização, iluminação e contratação de bandas musicais, que foram “oferecidas ao circus e não eram esses engenhos musicais consagrados pela crítica ou pela opinião pública, circunstâncias exasperadas por conta da ausência de motivação na escolha da executante e na falta de justificação do preço pago”, pontua o órgão ministerial.
A ação penal faz menção a 6 contratos firmados ilicitamente pelo prefeito com a Canabrava Produções, dos quais 2 são emblemáticos em virtude de seus espetaculosos valores e por terem sido pactuados num período de um mês. Em 1º de julho de 2002, assinala a denúncia, a Canabrava foi brindada pela Prefeitura de Ribeira de Pombal, sem qualquer disputa, com um contrato de R$ 172.800,00 e, no dia 1º do mês seguinte, com outro, no importe de R$ 343.500,00. Mas vale assinalar ainda que, no dia 4 do mês de setembro de 2002, o sortudo proprietário da Canabrava também abocanhou R$ 99.800,00, e mais R$ 98.000,00, em 1º de outubro, “tudo pavimentado pelas mesmas irregularidades antes mencionadas, em face da ausência dos requisitos que afastariam a exigência de torneio [licitatório]”, ressalta a acusação.
Lanzudo
Destaca a denúncia que não bastasse a derrama de dinheiro para a produção das anunciadas festas e o rosário de crimes praticados ao seu derredor, a imbricada relação entre o prefeito Calasans e a empresa Canabrava, garantiu que o seu “lanzudo proprietário”, em 17/12/02, percebesse indevidamente dos cofres municipais, por determinação do alcaide, a importância de R$ 54.000,00, sacada diretamente na boca do caixa do Bradesco, Agência Ribeira do Pombal, por meio do cheque nº 0003344. Despesa essa efetuada à mingua de prévio empenho, o que viola a Lei nº 4.320/64.
Ademais, para justificar o desvio do sobredito numerário, em proveito alheio, Edvaldo Calasans forjou o processo de pagamento nº 5.250, associando-lhe a despesa correspondente a R$ 47.800,00, datada também de 17/12/02, e titulada como diferença de crédito da Canabrava em face do processo de Inexigibilidade nº 04/2002, que somados aos R$ 6.200,00, atinentes ao processo de pagamento nº 5255/2002, perfazer-se-ia o somatório de R$ 54.000,00. Ocorre que, além de não terem sido lançadas no balancete das despesas do mês de dezembro de 2002, os R$ 47.800,00 teve correlata simulação de empenho anulada aos 31/12/02, por ato do próprio alcaide, como parte de um arranjo contábil executado pela Alconta Informática Ltda, empresa que assessorava contabilmente o ex-prefeito, e os R$ 54.000,00 foram recebidos integralmente pela Canabrava, na boca do caixa bancário e em espécie, contudo não houve a restituição ou o estorno aos cofres públicos.
Raton
Fraude semelhante foi posta em prática para favorecer a empresa Raton Projetos, um dos pilares do esquema diabólico de Edvaldo Calasans. Segundo ainda o Ministério Público, no elenco de crimes praticados pelo ex-prefeito conta-se o peculato (furto de dinheiro público por servidor ou agentes públicos) decorrente do pagamento indevido em favor da Raton Projetos, no valor de R$ 60.000,00, sacados por meio do cheque nº 853.187, na Agência do Banco do Brasil de Ribeira do Pombal, diretamente no caixa bancário, em 16/12/2002. Conquanto haja indícios de que a Prefeitura tenha celebrado vários contratos com a Raton, o valor correspondente ao numerário sacado na boca do caixa por José Carlos Raton, procurador da empresa, não foi lançado no balancete das despesas de dezembro de 2002. Alertada, a 10ª Inspetoria do Tribunal de Contas dos Municípios constatou o fato, expediu notificação ao prefeito Edvaldo Calasans solicitando-lhe uma justificativa no tocante à omissão contábil, mas não obteve resposta. Tudo isso, aliado ao fato de que o prefeito, em 31/12/02, editou o ato de anulação do empenho nº 3.665, associando-o ao valor sacado (R$ 60.000,00), cuja restituição também não foi efetivada até o momento, robustece a caracterização do crime previsto no art. 1º, inciso I, do Decreto-lei nº 201/67.
Maracutaia contábil
Para confeccionar os documentos contábeis do Município de Ribeira do Pombal, Edvaldo Cardoso Calasans contratou, sem licitação, a empresa Alconta Informática Ltda, do “alquimista financeiro” Álvaro Augusto Pereira de Souza, um dos denunciados, que também funcionava como contador da Prefeitura, assinando os balancetes mensais em conjunto com o ex-alcaide. Álvaro era o artífice dos mirabolantes cálculos que ajudaram o prefeito a engabelar o Tribunal de Contas dos Municípios e a fiscalização da Câmara Municipal durante o seu primeiro mandato e neste segundo.
A mágica de transformar R$ 54.000,00 em R$ 6.200,00 e R$ 60.000,00 em R$ 0,00 foi executada por esse matreiro contador, que, embora tenha celebrado um contrato para, entre outras obrigações, elaborar o orçamento do Município pombalense durante 4 anos, pelo preço de R$ 8.000,00 mensais, a cada ano vinha cobrando, por fora, valor adicional de R$ 5.250,00 pela elaboração da proposta orçamentária, que não significa nada mais do que a elaboração do próprio orçamento já contratado e pago. Assegura o Ministério Público que, além da superposição injustificada desse pagamento, ensejando desvio de recursos públicos em favor de terceiro, a contratação direta da Alconta foi levada a efeito sem que o preço dos serviços fosse justificado e a inviabilidade de competição demonstrada, pressupostos inarredáveis à inexigibilidade de certame licitatório. Ao levar a cabo mais essa maracutaia, incidiu o prefeito e seu contador em mais duas infrações penais previstas no Decreto-lei nº 201/67, incisos I e XIV.
Um sete um
Ao emitir 29 cheques sem correspondente provisão de fundos Edvaldo Calasans praticou conduta vedada pela lei penal, incidindo no crime de estelionato. É o que sustenta a Pro-curadoria-Geral de Justiça na sua peça incriminadora, fulcrada no Relatório Anual do Tribunal de Contas dos Municípios, que fiscaliza as prestações de contas anuais das prefeituras municipais. Para os membros do Ministério Público, subscritores da ação penal, o prefeito, afora o prejuízo moral imposto à Administração Municipal, resultante da falta de credibilidade com que os cidadãos passam a lhe enxergar, a emissão desses títulos sem a devida cobertura representa prejuízo material ao erário municipal, na medida em que taxas bancárias são cobradas dos seus cofres.“Esse procedimento imoral e fraudulento do prefeito Calasans, além de ofender o princípio da legalidade esculpido no artigo 37 da Carta Magna, o incursionou de forma continuada nas penas do crime tipificado no artigo 171, § 2º, inciso IV, do Código Penal”.
Saques sem emissão de cheques
Diz a denúncia que a contumácia delitiva que encharca o desejo de Edvaldo Calasans fez-lhe desdenhar a regra estabelecida no artigo 164, § 3º, da Constituição Federal, disciplinada pelo artigo 4º, § 1º, letra “e”, da Resolução-TCM nº 220/92, segundo as quais é vedado ao gestor público pagamento de despesas em espécie, cujo numerário seja superior a R$ 100,00 ou índice que o venha substituir. Mas fazendo jus à sua gestão errante e deletéria, Calasans autorizou, com reiteração criminosa, vários desembolsos a particulares com valores superiores ao supracitado limite, incidindo, por via de conseqüência, no crime funcional capitulado no inciso XIV do artigo 1º do Decreto-lei nº 201/67.
Favorecimento de parente
O Tribunal de Contas constatou e o Ministério Público denuncia que, como a atividade criminosa tornou-se prática comum de Edvaldo Calasans à frente do infeliz destino da Administração de Ribeira do Pombal, no exercício de 2002, a Prefeitura celebrou um contrato no valor de R$ 44.000,00 com a empresa Wilton Gonçalves dos Santos Júnior & Cia Ltda, pertencente a um lanzudo primo do ex-prefeito, sem qualquer procedimento de licitação. Em que pese a ilegalidade o preço contratado foi pago pela Prefeitura, conforme revela o processo de pagamento nº 5155/2002.
Representação criminal
A ação penal na qual o MP acusa Edvaldo Calasans, vulgo Dadá, Adailton Araújo dos Santos, vulgo Apolo, Álvaro Augusto Pereira de Souza (conhecido como Álvaro da Alconta), José Carlos Raton de Souza (procurador da Raton), Naidson Ferreira Santos (ex-diretor contábil) e Aurian Calasans de Matos (ex-tesoureira), é respaldada numa Representação Criminal formulada pelo PPS de Ribeira do Pombal, cujo presidente é o autor deste Blog (veja perfil). Dr. Gomes investiga os políticos corruptos de Ribeira do Pombal desde de 1999, quando regressou de São Paulo para militar na advocacia pública na Região Nordesta da Bahia.
Luiz Fernando R. de Sales
05/02/2016
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