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/ Colonialismo

Painel dos desentendidos: impunidade

O que vemos ou sentimos quando falamos de impunidade?

Foto: Arquivo

impunidade

 

Não raro ouvimos alguém dizendo que a escalada ou banalização da violência, da criminalidade, da corrupção, é estimulada pelo “sentimento de impunidade” que se enraíza na sociedade, sobretudo quando as condutas desviantes são praticadas por menores infratores.

Quem pensa assim, não se dá conta de que, infelizmente, está contribuindo para a conservação do status quo, isto é, para a eternização de tal estado de coisas. Na verdade, num domínio orientado por valores da nossa cultura patriarcal-matriarcal, quando falamos de “impunidade”, o que apontamos, no fundo, é que o temor, o medo, a intimidação, a repressão e o pavor desencadeados pelo Estado são insuficientes para inibir os desvios de conduta.

Desse modo, nas dobras do discurso da impunidade esconde-se um recalcado desejo de incrementação do potencial punitivo e de intimidação do Estado sobre a sociedade civil, na esquizofrênica e desesperada implementação do irrealizável projeto positivista de controle comportamental dos indivíduos.

Logo, quem destaca a impunidade como causa do aumento da violência social (infantil, juvenil ou adulta), na realidade, vê na punição, e assim, na intimidação ou repressão, a saída para questão da segurança pública.  A impunidade seria, então, uma consequência inevitável da leniência do Estado, no trato do controle comportamental dos indivíduos.

É necessário admitir, porém, que o projeto positivista fracassou, neste particular. Os avanços científicos consolidados, basicamente desde o último quarto do século XX, sugerem imediata revisão conceitual nos campos da biologia, da psicologia, da sociologia, da criminologia e da juridicidade. Fábulas do tipo: “O homem é o lobo do próprio homem”; ou de que “a maldade é congênita à índole humana”, atualmente, não fazem sentido algum. A metáfora do ser humano como um sistema aberto ruiu, porque sabemos, hoje, que o organismo humano traduz um sistema autopoiético, determinado em seu estado, sendo, portanto, fechado, na sua organização.

Estritamente falando, ninguém nasce humano; torna-se humano, com a culturalização, mesmo os animais da linhagem hominídea bípede. É o que revelam as alentadoras pesquisas na matriz biológico-cultural da existência humana, realizadas pela “Escuela Matríztica de Santiago”, capitaneada pelo biólogo chileno Humberto Maturana, para quem a “maldade”, a “violência”, a “bondade”, são coerências  experienciais do nosso fenótipo ontogênico (modo de vida). Alguém que divergir dessa ideia, experimente tomar um bebê recém-nascido no colo e, diante da família, afirme: “Essa criaturinha é violenta, maldosa. Olha só o jeito dela!”. Em seguida, se tiver ânimo, aguarde a reação dos familiares do bebê.

Não cansamos de repetir que, para o pensamento pós-colonialista, a violência não pode ser combatida, porque o combate pressupõe que tal fenômeno jamais acabe. É óbvio que o remédio para violência social não pode ser outro tipo de violência: a estatal, em dose cavalar.

É isso mesmo! Quem fala de combate à violência não deseja que a violência desapareça, pois com ela desapareceriam advogados, juízes, promotores de justiça, policiais, carcereiros, delegados de polícia, secretários e ministros de justiça, que operam em tal combate.

As condições que geram a violência só serão eliminadas se, e somente se, a convivência humana se der num domínio psíquico informado pelo respeito mútuo e pela confiança de um ser humano no outro. E isso só é possível a partir da aceitação do outro, como legítimo outro na coexistência.

Para que isso ocorra será necessário apenas um novo modelo de educação transformador, que desperte nas crianças o desejo de se tornarem adultos respeitosos, éticos e democráticos.  Segue-se, então, que o antídoto da violência só pode ser a amorosidade, e não doses cavalares de violência estatal que iniba a impunidade.

Aliás, quando, no dia a dia, ouvimos alguém dizer que a violência não constrói ou não educa, o que se está dizendo é exatamente isso: impunidade civil não se elimina com violência estatal, mas, sim, com transformação educacional amorosa na convivência.

Isso é tudo.

 

 

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