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Causas da criminalidade – II

O jornal A TARDE traz hoje a mais racional e consistente reflexão a respeito das surradas causas da criminalidade. Contrapondo-se a uma afirmação do presidente Lula, para quem há relação causal entre alta criminalidade e baixo nível de instrução, o culto jornalista José Valverde, com apoio no antiqüíssimo método maiêutico, desmonta um perverso preconceito que historicamente marginaliza as pessoas que compõem as classes inferiores. Sobre o tema, lançamos algumas luzes no post publicado neste blog, em 21/05/06, sob o título “Causas da criminalidade”.

Leia a seguir o brilhante artigo de Valverde:

O método de Socrátes

JOSÉ VALVERDE

Há 2.300 anos, na sua academia em Atenas, Sócrates costumava perguntar a seus discípulos sobre o que pensavam sobre determinada questão e na seqüência os induzia a refletir, por meio de seguidas perguntas, sobre as respostas que ouvia.A relação de causa e efeito entre baixa educação e alta criminalidade proclamada pelo presidente Lula, evidentemente para atenuar as críticas sobre o despreparo da polícia, a falta de presídios de segurança máxima, e a benevolência das leis penais, é um pensamento sob medida para ser submetido à metodologia de Sócrates.
A seguir, algumas perguntas que Sócrates poderia fazer a Lula:

Pergunta 1: o que faltou para assegurar um padrão de bom comportamento ao juiz Nicolau dos Santos Neto, ao engenheiro Paulo Maluf, ao bacharel em direito Zé Dirceu e a tantos outros magistrados, parlamentares, gestores públicos, empresários, funcionários de carreira, dirigentes de partidos, mafiosos das quadrilhas do mensalão e dos sanguessugas – enfim, a toda esta gente bem-situada, equipada com diploma de faculdade e acusada de formação de quadrilha, falsidade ideológica, peculato, corrupção ativa, lavagem de dinheiro, remessas ilegais de divisas e outros crimes contra a economia, a administração pública, e a ordem política?

Pergunta 2: não seria justamente porque são bem situados social e economicamente, o que pressupõe que foram bem educados e escolarizados, que foi possível a tais cidadãos perpetrar abomináveis crimes desta ordem?

Pergunta 3: se, mesmo assim, a educação é a resposta, teria faltado a eles um diploma a mais na parede, talvez a pós-graduação no Instituto de Tecnologia deMassachusetts ou em outras celebradas universidades do primeiro mundo?

Pergunta 4: por que, na outra ponta, onde estão os mal-remunerados, mal-assistidos, excluídos – os analfabetos funcionais ou apenas alfabetizados das classes D, E e F –, a imensa maioria, milhões deles, em vez de seguir o exemplo da minoria delituosa, insiste em ralar duro para sobreviver, sem traficar, assaltar, seqüestrar, matar ou perpetrar outras ofensas ao Código Penal em consonância com a baixa escolaridade?

Pergunta 5: é certo ou errado supor que a propensão ao crime e à transgressão manifesta-se em uma parcela dos humanos, independentemente da classe social, renda, nível cultural, escolaridade e outras características adquiridas na própria sociedade – e que, ao optar pelo crime, o cidadão, pobre ou rico, bem ou mal escolarizado, ambiciona um atalho para o sucesso, o caminho fácil e rápido que sua condição social e cultural lhe possibilita para ostentar riqueza e prestígio, acumular bens, aumentar a capacidade de consumo, etc.?

Sócrates não desenvolveu seu método indagador com o propósito de julgar ou de transferir suas opiniões para os discípulos e sim, conta Platão, porque acreditava que o motivo de haver muitas idéias ruins e confusas é que muitos acham que têm bons pensamentos, sem refletir suficientemente sobre as idéias que formulam.”

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